terça-feira, 4 de setembro de 2012

Almenara

por Jayro Schmidt


Almenara é um farol que dá sinais ao longe, aceso em torres. O termo surgiu no século 15, em Portugal, adaptado do árabe al-manâra.

Por analogia e sonoridade vocabular lembra alma, do latim anima, que nos remete ao anímico, ou seja, à essência imaterial ou espiritual humana.

O anímico implica, também, em se dotar as coisas de alma como se observa em tantas obras de arte e em cultos religiosos. A arte, nesse caso, pode ser uma religação ou um farol que dá sinais, que se manifesta através de códigos provenientes da percepção.

Bem antes de surgir a teoria da informação, já se sabia que a percepção é um ato do sentir e do sentido. Ser é perceber e dar sentido, o que significa obter linguagem.

Desde que se considere que a arte subentende o intuitivo, a percepção tem os impulsos no inconsciente, que é macio, esponjoso, pulsante, extensivo, caudaloso, ondulante e que chegam ao consciente, que é duro.

Nas linguagens há uma tendência inconsciente, macia, e uma tendência consciente, dura. Às vezes ambas se interpenetram e se abolem, não deixam vestígios que possam dizer onde estão o surgir e o elaborar.

Então, existem as linguagens do surgir e do elaborar e as linguagens que fundem as duas camadas.

E assim voltamos à metáfora da almenara, o farol que sinaliza, a arte como percepção informativa, que é eminentemente semiótica.

As linguagens têm apelos imagísticos. Lógicos e metafísicos dizem o mesmo sobre isso: é quase impossível sentir e pensar sem a imagem. Ou melhor, sem a imaginação.

O mundo é a imagem que dele fazemos, não é assim? Uma pessoa pode ser a lembrança que dela temos, pegar alguma coisa deveria ser arrebatar a lua com a mão. A proposição é essa. Entre o perceber e o percebido está a linguagem, que quanto mais poética, mais eficaz para diminuir o abismo entre o desejo e o desejado.

Dizia que a linguagem está entre o perceber e o percebido, isto é, está à espreita, e, agora, digo que ali está o abismo. Adianto que não se trata de uma contradição de termos.

A linguagem é o lugar do abismo, é o único lugar pelo qual podemos nos esgueirar à procura daquilo que dá sentido, que doa sentido. Do desejo, para se chegar ao desejado, é uma ilusão acreditar que haja uma linha reta. O que há mesmo é uma curva, que ainda é linha, a loxodromia como diziam os antigos navegadores.

Esse desvio era corrigido o tempo todo para que a embarcação não chegasse antes da hora à costa e nela soçobrasse. Desvio árduo de ser controlado com as noites de tempestade nos velames, tantas vezes frustrado.

Mas os marinheiros se defendiam com os avatares dos faróis, que lhes davam linguagem, que lhes diziam outra coisa, sempre outra coisa mais secreta, a linguagem do ponto vélico*, sem a qual a embarcação não poderia escrever a travessia e chegar a seu destino.

Não é à toa que os escritores latinos, quando iniciavam uma obra, diziam vela dare, dar vela, e, quando terminavam, vela tahere, recolher vela.


* O escritor Victor Hugo, amante do mar, descreveu esse ponto: “Ninguém ignora o que é o ponto vélico de uma embarcação: lugar de convergência, ponto de intersecção misterioso até mesmo para o construtor do barco, no qual se somam as forças dispersas em todo o velame desdobrado”.


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