quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Ler e escrever, viver e morrer

Por Jayro Schmidt


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Pintura incidental de Juliana Hoffmann

Em culturas orientais, o ler proporciona o escrever. Em culturas ocidentais, há controvérsias acerca disso.
Tomo como exemplo Schopenhauer ao dizer que ler é pensar com a cabeça alheia. Desconta-se o fato de que ele estava indignado com os eruditos que infestavam os meios acadêmicos.
Bem antes de Schopenhauer, e livre da pesada atmosfera das academias, Sêneca poderia argumentar o oposto. Pensava que a leitura é imprescindível para quem escreve. Por vários fatores.
Um deles é o terapêutico, o ler para descansar a mente do esforço despendido. Mas as coisas ficam mais rigorosas.
A leitura serve para se saber como outros pensam e escrevem, e, sobretudo, saber o que ainda não descobriram. E chega-se ao melhor, ao principal desafio. Deve-se recolher o essencial das leituras e transformá-lo em outra coisa.
Apesar da grande diferença entre Schopenhauer e Sêneca, há entre ambos alguma coisa em comum: não basta somente saber; o que importa é o que fazer com o conhecimento. Por isso Schopenhauer atacava os eruditos.
Saber viver, para Sêneca, seria a porta pela qual se obtém o que fazer com o saber. E aprender a viver, pensava, era aprender a morrer.
Sobre isso, uma vez, fui contestado por um amigo. Disse-me que não se aprende a morrer. Ele tem toda a razão: quem vai querer aprender aquilo que não quer?
Não me recordo o que respondi na ocasião, mas presumo que pode ter girado em torno do que chamo de expectativa vã: aprende-se a evitar a morte, porém é inútil.
Conheço pessoas que fazem o diabo para que a morte não sobrevenha. Sobre isso, há uma frase que diz tudo, inscrita acima da porta de uma capela portuguesa, em Évora, cujo interior é recoberto de ossos:

Nos ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos.

Conhecedor de todos os pensadores clássicos, Montaigne deu a melhor receita para se encarar o grande confronto da vida, que é o morrer.
Remontando aos clássicos, e especificamente a Cícero, Montaigne considera que a filosofia quer dar respostas a todos os dilemas humanos, e, por isso, o ato filosófico é uma preparação para a morte. Ele, desta maneira, realiza o primado de Sêneca: sua leitura, nesse e em outros casos, serviu para ampliar e aceitar as expectativas em torno de algo tão desconcertante, que é deixar de respirar e saber que o menos perecível no corpo são os ossos.
Tanto é que Montaigne acaba dizendo, e o que dizia praticava, que se não aprendemos a morrer, que isso não seja motivo de tormento porque a natureza “executará a tarefa”. Sem levar em conta os acidentes mortais, a própria vida providencia doenças que devemos cultuá-las, cuidando-as com todas as energias que mesmo no padecimento ainda dispomos, pois uma delas nos ajudará a morrer.


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