quinta-feira, 8 de agosto de 2013

BORGES E A COLHER

Por Jayro Schmidt



O escritor argentino Jorge Luis Borges, que suspendia a incredulidade para conceber eras, continentes e almas, acreditava no poder das palavras. Nem sempre, no entanto, sua incredulidade foi completa. Ao falar sobre o alcance dos nomes, e explicando que as palavras são substituídas de geração em geração, se referiu a Cummings, citando um trecho de um de seus poemas que o fez “cair para trás”, mas que estava à altura da “equação sonho-e-vida”:

A terrível face de deus, mais reluzente que uma colher,
colhe a imagem de uma palavra fatal,
de modo que minha vida (que gostava do sol e da lua)
parece algo que não ocorreu.

A colher foi o que fez Borges “cair para trás”, que soou como um disparate, atribuindo a Cummings o mesmo “erro” que cometeu quando jovem: querer ser moderno. Cummings, por isso, antes pensou em “espada”, “vela” e “escudo”, mas, para ser moderno, escreveu colher. Borges, obviamente, estava enganado ou, para poupá-lo, estava velho demais para entrar num jogo de linguagem que faz do banal uma imagem incomum.
Decepcionado com Cummings, mesmo assim Borges o perdoou em função do verso final do trecho citado, a vida que parece não ter ocorrido, para ele “uma espécie de estranha simplicidade”, dando-nos “a essência onírica da vida melhor” do que Shakespeare e Walther von der Vogelweide.

Um comentário:

Daniel Ballester disse...

Cucharas, cuchillos y cuchetas

http://estafeta-gabrielpulecio.blogspot.com.ar/2010/06/jorge-luis-borges-la-metafora.html