quarta-feira, 28 de agosto de 2013

PULARAM O CANTEIRO

Por Jayro Schmidt



As melhores histórias são contadas por escritores birutas ou, pelo menos, contam histórias de birutas. Deve haver uma diferença de natureza e não de gênero entre uma coisa e outra, mas isso não vem ao caso.
Ler a saga de Ulisses, isso para remontar à mais antiga metáfora da loucura, bem se vê que os deuses é que eram pirados e que, assim, a única maneira de enganá-los era usar as suas armas, as próprias pirações.
Foi o que fez Ulisses, arou a areia com o inverossímil mais verossímil, depois, ou antes, tirou a roupa e cobriu-se de lama ao se apresentar a Nausícaa e suas acompanhantes que devem ter pensado em coisas solertes porque as deusas, naquela época, já eram assanhadas e vidradas por homens minotauros, centauros, unicórnios e narvais.
Os críticos de literatura, e de todas as turas com a licença do lunático Cortázar, dizem que Homero, com Ulisses, deu o tom para todos os loucos posteriores, de Sófocles a Shakespeare, de Cervantes a Rimbaud, sem falar em Rabelais, e assim por diante.
A diferença entre as histórias do passado e as mais recentes é que antes os heróis não tinham como escapar do destino e, para realizá-lo, inventavam as maiores demências para, digamos, não sofrerem muito com o fedor do bode. E como fedeu na história de Sófocles do bodiado Édipo, que comeu a mãe sem querer, mas gostou, assim como ela, Jocasta, motivo para outro maluco de nossa época achar que é um dos pesadelos da infância que se supera simplesmente com água, açúcar, sininhos de cristal e contos de fada da Tia Ôla.
De Shakespeare a Cervantes e deste a Rimbaud, as coisas loucas mudaram de figura. Se não mudassem, claro, não seriam loucas.
O destino, agora, não é mais o avatar dos deuses. Continuou dando sinais, porém revestido de fantasma que o primeiro a ter que encarar foi Hamlet, que pensava bem demais porque pulou o canteiro que Shakespeare soube preparar nos dias posteriores à morte de seu pai, encenando-o num lugar que somente ele sabia o que se passava por dentro da fantasmagoria e confiando em poucos e confundindo os demais, principalmente a heroína com nome de perfume brega, Ofélia, doida por lições de canto orfeônico.
Os apreciadores de turas também dizem que Shakespeare preferiu deixar para Cervantes o trabalho do desvario bem humorado, semelhante, mas diferente da Loucura de Erasmo, que quando nasceu não chorou, sorriu, nascimento dedicado ao amigo Thomas Morus, de Mória, a grande louca que deve tê-lo ajudado a criar a vã esperança moderna, a Utopia.
De Cervantes acho que não preciso dizer muito, pois toda pessoa que se preza é prezada por tornar o desagradável em funâmbulas e fantásticas situações que são capazes de ver num alfinete a torre mais prateada como viu Lautréamont e, Rimbaud, um salão no fundo de um lago.
Pode haver, caros amigos das turas, coisas mais pancadas do que essas?



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