quinta-feira, 30 de maio de 2013

PONTES SÃO PARA PASSAR

Fotografias de Edson Simas*






Seja a ponte mesma, estampada na foto e na memória, para quem a teve como passagem num tempo em que a cidade ainda não havia perdido a aura, essa ponte é um fantasma. Ponte que se arrasta, espantalho do descaso, sempre adiada de um governo para outro, prática descarada de lavar as mãos que em parte é apoiada pelos votos. (J.S)


* fotografias datada em 1980.

(EN)GARRAFADAS

Poema sem título de Vinícius Alves




nas garrafas
estão todas
as minhas farras
engarrafadas

nas farras
minhas fadas
esfarrapadas

nas três
minhas garras
agarradas


* Ilustração de Jayro Schmidt. O rosto na garrafa é de Vinícius Alves.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

PENSADOR FRAGMENTAL

Desenho de Roberto Terra Costa




terça-feira, 28 de maio de 2013

segunda-feira, 27 de maio de 2013

APARIÇÃO

Monotipia de Helena Maria Werner





Na arte, a aparência é relativa e diz menos do que a aparição, que esfacela a realidade convencional para que surja outra realidade, esta da imaginação como se vê nessa gravura, preparada antecipadamente no processo da monotipia, que, como diz o nome, permite apenas uma impressão. (J.S.)


CINEMA EM PENSAMENTO: SONHO DE CASSANDRA

Divulgação

Convite para o próximo encontro  do Cinema em pensamento: "O sonho de Cassandra" de Woody Allen, 2007. É o sexto filme do Ciclo das tragédias (iniciado no semestre passado), com exibição e debate. Além do cartaz, foi publicado no blog um ensaio sobre o filme. 




quinta-feira, 23 de maio de 2013

PLANEJAMENTO

Da Redação



Fotografias de Terezinha Dias


Bebeto, gravador e professor de gravura no Centro Integrado de Cultura (CIC), em um dos raros momentos na oficina, sem a presença dos alunos, planeja os papéis impressos.


A “CRIANÇA”


Por Jayro Schmidt


No passado, quando escrever era com pena e tinta, alguns escritores causavam contrariedades nos revisores e nos tipógrafos. Marcel Proust foi um deles, e dos mais inconvenientes. Com o texto composto, tudo ficava mais adequado para ler e corrigir com as provas impressas. Em seu caso, foram mais acréscimos que passavam por várias etapas até ele concluir que a coisa tinha a forma de um cristal. Não porque Proust fosse um escritor limitado. Pelo contrário: os acréscimos surgiam em função da matéria-prima de sua obra, a rememoração, que nunca se dá por completa, ou melhor, surge ao longo do tempo com imagens que têm sentidos em outras imagens, daí as mudanças graduais de seus personagens, cada qual com pontos de vista diferentes sobre as mesmas coisas ao longo de suas vidas presentificadas no monumental Em busca do tempo perdido.
Quase todos os originais escritos à mão que se conhece têm reparos, além de podermos ver a caligrafia dos escritores, o que proporciona, por assim dizer, uma intimidade com eles. Disse quase porque há o caso dos originais do suíço Robert Walser, que nunca se corrigia. Walser parou de escrever quando foi internado em Herisau, dizendo que “estava ali para ser louco e não fazer literatura”. De 1924 a 1932 escreveu os “microgramas”, textos em grafia tão diminuta que os primeiros editores, após a sua morte em 1956, levaram mais de quinze anos para decifrá-los. Escrevia a lápis e em qualquer tipo de papel que encontrava, o que lembra o nosso pós-simbolista Ernani Rosas, que também fazia o mesmo e com canetas de cores diferentes, porém com letras grandes, mas ilegíveis em sua maior parte. Vamos dizer que Ernani Rosas se corrigia de uma forma muito especial – não nos poemas que havia escrito, nas versões que elaborava de alguns deles, com os quais fazia plaquetes à mão, que são pequenos cadernos.
Por estes, e por outros detalhes, acredita-se que na grafia estão os indícios psíquicos da pessoa, assim como acontece com o sonho, a ponto de se poder dizer que o material onírico é uma caligrafia para o interpretador e, por outro lado, a fonte inesgotável para se observar e tirar conclusões acerca de como os alfabetos surgiram antecedidos por períodos adormecidos das linguagens.
Como sou obstinado em saber quando o desenho passa a ser escrita, nas pesquisas compartilhei o fascínio de civilizações antigas quando obtiveram sistemas verbais codificados em sinais, todos oriundos do ler a natureza com mimetismo e animismo que criaram as línguas matrizes de outras línguas, como o russo, façanha do missionário bizantino Cirilo, fundido do grego e forjado com as pegadas dos pássaros. Por isso, se lermos Iessiênin, ouviremos a nostalgia lírica do campo e de seu contemporâneo Maiakóvski o brado revolucionário na tempestade das palavras.
Mas, deixando de lado essas propriedades de linguagem subentendidas nas semelhanças e nas associações que são ferramentas para se compreender a psique e suas expressões, volto ao tema principal que em Proust foi uma exigência própria de sua mente transportada ao passado, porém com características diferentes em outros escritores. Gustave Flaubert é o mais notável. Disse que não apressava a frase, que a trabalhava exaustivamente até conseguir o perfeito como se escrever fosse um problema matemático, e, então, seguia em frente, dando ao editor a “criança” pronta, bem lavada e bem vestida. Flaubert dignificou o que os franceses diziam, corriqueiramente, mot juste, a palavra exata. Não é à toa que quando se pergunta aos escritores sobre o ofício de escrever, geralmente o primeiro nome lembrado é Flaubert, sem falar que muitos destes escritores nunca leram esse monstro da limpidez literária. A literatura, desde então e não somente por causa de Flaubert, teve que se confrontar com o construir a frase com todos os riscos, principalmente dois, textos que dizem demais e textos que dizem de menos.
Não quero supor com isso que o escritor deva obter o equilíbrio entre os dois riscos. Afinal, ninguém consegue ficar em cima do muro por muito tempo. O que o escritor precisa fazer, pelo menos na concepção que tenho do escrever, é permanecer na instabilidade, na probabilidade. Algo assim como nos aforismos de Franz Kafka, o do outono com o caminho que é varrido e logo cobre-se de folhas secas; o da corda esticada rente ao chão, destinada ao tropeço e não à orientação; e, o mais crucial, o aforismo do ponto que deve ser atingido e do qual não há mais retorno.
Vejo agora que comecei comentando a escrita e o escrever e acabei chegando a aspectos da escritura. Os aforismos de Kafka serviram como metáfora, mas talvez, para esclarecer assunto tão vasto e complexo, seja necessário relembrar um acontecimento no cotidiano do escritor que disse que escrevia para se ajudar a pensar. Estou me referindo a Macedonio Fernández, amigo de Jorge Luis Borges, a quem confiou o episódio que ilustra o ato de pensar no escrito como risco permanente. Macedonio caminhava conversando com outra pessoa quando tropeçou e foi lançado para frente e, nesse transcurso cuja vertigem provoca a sensação de flutuar, captou o que havia acabado de dizer.
Se o pensar no escrever de fato precisa da virtualidade ou vem dessa vertigem, da flutuação de sentidos que poderá ser o tecido da escrita, então o dizer demais ou de menos depende de como se afaga um gato, que jamais gosta a contrapelo. Os textos arrebatadores, tenham certeza, são aqueles em que as palavras nos transmitem a imagem de onde vieram e mostram, durante a leitura, como chegaram. Assim como o gato, que aparece e se deixa familiarizar por quem teve a sorte de encontrá-lo, é esse escrever. Portanto, um texto surge, um texto é elaborado e, o mais costumeiro, um texto intermedia ambas as modalidades.
Exemplos esmerados dessas modalidades não faltam na literatura e na arte em geral, como também, na maioria, tantos outros exemplos em que os autores jogaram fora a “criança” junto com a água do banho.


quarta-feira, 22 de maio de 2013

SONHO ABSTRATO

Poema de Daniel Ballester


 Sonhei com Jackson Pollock.
 Eu era sua paleta de cores,
 E cada vez que ele mergulhava seus pincéis em mim,
 Um olho vermelho, um umbigo amarelo ou um dedo azul
 Transformavam-se em manchas de alegria sobre a tela.
 Eis aqui o resultado de sua obra
 Ou de meu sonho.

Pintura de Fabiana França



terça-feira, 21 de maio de 2013

LANÇANDO O TRAÇO E A COR

Monotipias de Leandro Serpa*




* 5 quadros da série Fanáticos Por Futebol de Leandro Serpa.


segunda-feira, 20 de maio de 2013

A ARTE DE ZÉ PAIVA (EXPOSIÇÃO NO MASC)

Divulgação

Exposição "Iluminados - Personagens da Ilha de Santa Catarina". As fotografias de Zé Paiva estarão em exposição no Museu de Arte de Santa Catarina (MASC), entrada gratuita.


clique na imagem para ampliar


ESPONJA

Por Fabiana França




Não sou humana
Não sou mulher

Sou um objeto
Sou uma esponja

Absorvo seus sorrisos
Absorvo seus toques
Absorvo seus abraços
Absorvo seus beijos
Absorvo seu sexo
Absorvo suas palavras doces
E seu amor

E então como a uma esponja
Você me espreme
E eu me exprimo

Pra você

Sou chama
Sou desejo
Sou loucura
Sou intensidade
Sou lasciva
Sou regozijo
Sou paz na guerra

Não sou animal
Não sou fêmea

Sou um objeto
Sou uma esponja

Absorvo suas mágoas
Absorvo suas diferenças
Absorvo suas desculpas
Absorvo suas liberdades
Absorvo suas ausências
Absorvo suas palavras amargas
E sua dor

E então como a uma esponja
Você me espreme
E eu me eximo

Sou passional
Sou sofrimento
Sou insanidade
Sou medo
Sou ódio
Sou tortura
Sou nada

E assim como o nada
Que você vê em mim
E que você não enxerga em mim

Você me torce
E fica a observar silenciosa e cruelmente
As lágrimas e o sangue
Que pertencem a mim
Mas que escorrem fluídos
Pelas suas mãos
Por entre seus dedos

Eu sou apenas uma esponja
Use-me
Passe-me em seu corpo
Deixe o liquido escorrer
De mim pra você
Quente
Úmido
E me esqueça
Até que eu esteja seca
Em uma outra noite
Talvez você lembre...
Porque eu sou seu objeto
Uma esponja
Inanimada



Nota: Fotografia de John Ross


sexta-feira, 17 de maio de 2013

Silêncios do Silêncio

Por Jayro Schmidt

Sobre a mostra Fotografando o Silêncio


Alguns pesquisadores norte-americanos chegaram à conclusão de que o silêncio absoluto existe. Para tanto, construíram um recinto à prova de todo e qualquer ruído sem levar em consideração que alguém poderia constatar o contrário, pois o silêncio, assim como tudo que se dá no tempo e no espaço, são relativos.
E quem demonstrou isso foi um músico, John Cage, que sempre trabalhou o som subentendido no silêncio. Para Cage, e para os músicos em geral, o ruído ainda não é música, e a música, convenhamos, é o silêncio que cala o ruído.
Simples não? Nem tanto, sobretudo para os pesquisadores do absoluto. Esse princípio para eles era uma engenhosa mística, no que estavam enganados. Cage entrou no recinto com luvas, vestimentas e calçados adequados para que nada interferisse no silêncio, mas os pesquisadores não haviam pensado no mais essencial: Cage ouviu as batidas do coração.
Além desse fato, pode-se ouvir o silêncio, como também se pode vê-lo como fizeram os fotógrafos desta exposição, cada qual com um olhar específico em imagens analógicas e imagens conceituais. Apesar das diferenças de focos de cada um, eles não poderiam deixar de visar o extremamente quieto e exprimir o limite que separa o som do ruído para poderem visualizar o silêncio. E o silêncio, inevitavelmente, está associado ao solitário, ao ignoto, ao abandonado, ao falecido.
Pois são nestes lugares que o silêncio fala, seja num ponto perdido no espaço, nas últimas gotas de remédio, no olho do redemoinho, no cachorro dormindo, na textura da ausência, nos retratos se apagando e no reflexo do pescador.
As imagens de silêncios aqui expostas, conclui-se, foi um desafio para os fotógrafos e são agora para você que, distraído ou atento, vai se perguntar: onde está e o que é o silêncio.
Muitas serão as respostas nas vozes silenciosas que estão nas percepções.



Alessandra Knoll


Danísio Silva 


Eliane Quadro


Gilliard Lach


Heloísa Caminha Bradacz


Maria Helena Rosa Barbosa


Rosemary Busko

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Poemas Críticos

Por Raul Felipe Schmidt Machado


Fotografia de Danísio Silva


Podre Social Club

Moscas
Que beiram
A merda

Moscas
Beirando
Suas genitálias

Beirando
Suas mentes

E resquícios
De humanos
Com gravatas borboletas



Livre. Livre.

Se o olhar crítico
Morre
Na arte

Já não é arte
Que vejo naquela parte

É decoração pra burguês gozar

Se o olhar panfletário
Nasce
Na arte
Já não é arte
Que vejo naquele aparte

É fetiche revolucionário
Para ditador gozar

Se a arte pela arte
Quer cagar seu alarde

Já não é arte
Que vejo naquele rabisco

É hibisco disfarçado de rosa
E letra querendo ser prosa


Extraído de Vísceras, livro virtual, Clube de Autores, 2012

terça-feira, 14 de maio de 2013

Exposição de David Ronce

Divulgação

Convites para exposição artística e Workshop de David Ronce. Acontece na NACASA - Coletivo Artístico, no bairro Trindade, Florianópolis, a partir do dia 17 de maio. Clique para obter todas as informações.

CLIQUE NAS IMAGENS PARA AMPLIAR






Lúdico Reencontrado

Xilogravura de Chico Marinho



segunda-feira, 13 de maio de 2013

O Sertão Não É Só Uma Palavra

Por Ivan Schmidt

Resenha de No sertão das palavras, leitura de Grande Sertão: Veredas – Jayro Schmidt


Ilustração de Jayro Schmidt


Mais um estudo analítico sobre o monumento literário que é Grande Sertão: Veredas já não tem o sabor da novidade, pois tantos foram os críticos que se aventuraram a percorrer os dificultosos caminhos trilhados por Joca Ramiro, Medeiro Vaz, Zé Bebelo e Hermógenes, entre outros, cujos encontros e desencontros foram narrados pelo jagunço Riobaldo Tatarana, que tudo e nada sabia ao mesmo tempo, mas cuja voz foi usada por João Guimarães Rosa para a construção do grande romance brasileiro, sem dúvida, um dos mais importantes da literatura universal no século passado.  

Pois o livro de Jayro Schmidt, se não é uma novidade, tem o mérito de confirmar o interesse interminável da crítica pelo universo rosiano, oferecendo uma pesquisa esclarecedora sobre as múltiplas visões do magnífico rapsodo dos encantamentos dos Gerais, perpassando uma a uma as diferenciações da paisagem física e humana do sertão. A multiplicidade dos nomes, plantas, bichos e lugares – assim como foi para João Guimarães Rosa – constituiu para Jayro o arcabouço sobre o qual se municiou para escrever um culto ensaio de interpretação lingüística e literária, descobrindo e apontando, quem sabe, pela primeira vez, algumas facetas que outros críticos ainda não tinham tido a ventura de prospectar no aparente emaranhado produzido pelo genial mineiro nascido em Cordisburgo.

Inventor de palavras como nenhum outro escritor da língua portuguesa, Rosa encontra tantos anos depois da publicação do romance e de sua morte, um critico que à semelhança dos antecessores, sem deslustrar o trabalho de nenhum deles ou deixar-se embair pela vaidade de suplantá-los, aporta uma contribuição que, em primeiro lugar, a si própria se exibe com a limpidez oportuna da sintaxe fluente no esforço de demarcar para antigos, atuais e futuros leitores do Grande Sertão, as nuanças, desvãos, quebradas e artimanhas duma prosa entrecortada pelo desvendamento de um segredo que se insinua por toda a estória, mas que apenas se mostra por inteiro nas últimas páginas.

Na oportuna observação de Olgária Matos, ao escrever seu volumoso romance, João Guimarães Rosa o fez como se estivesse vendo aquelas coisas pela primeira vez (ele que conhecia em pessoa os encantos do sertão), valendo-se de neologismos, anglicismos, indianismos e galicismos, “para tudo dizer em língua nova, embora inserindo o sertão, as palavras ‘bem de casa’, em sua babel”.

Por sua vez, Leda Tenório da Motta, num belo estudo sobre GSV nos informa que ao desenhar a trama tortuosa do dilema de Riobaldo, que se debate entre o existe não existe do diabo e a questão de contar ou não contar, Rosa acabou legando à literatura “um relato maciço, comparável em estrutura aos romances de cavalaria”, no que está judiciosamente coberta de razão.

De maneira apropriada Jayro deu a seu ensaio um sugestivo título (No sertão das palavras), inegável em sua referência explícita ao romance analisado, identificando na especulação o termo angular no pensamento de Guimarães Rosa, que atribuiu a Riobaldo a função de agir como portador das distorções gramaticais e fonéticas da escrita. O jagunço, diz Jayro, é uma espécie de “aparato sensível a tudo que procede em torno dele, isto é, nele, pois vai armazenando o que sabe e não sabe, mais o que não sabe”.

Resultado final cuidadosamente desentranhado de suas muitas leituras em literatura, filosofia e história, o livro escrito por Jayro Schmidt sob o imenso dossel da inspiração criadora de Guimarães Rosa, vai repontando as alusões e elisões do drama existencial descrito pelo romancista. Tudo (ou quase tudo) gira em torno dos jagunços Riobaldo e Reinaldo, cujo nome secreto era Diadorim, somente revelado ao primeiro para uso em conversas particulares entre ambos, quando afastados dos demais componentes do bando. O nome verdadeiro de Diadorim era Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins, nascida a 11 de setembro da era de 1800 e tantos que, no entanto, jamais revelou a alguém sua condição feminina a fim de vingar a morte do pai – Joca Ramiro – assassinado por Hermógenes, jagunço rival de quem se dizia ter partes com o Demo.

Filho desse mesmo sertão, Riobaldo não sabia quem era seu pai (Diadorim, a mãe) e cedo tomou o rumo da jagunçagem sob o comando de Medeiro Vaz, onde pouco depois voltou a cruzar com Reinaldo, o menino que conhecera anos antes num atemorizante passeio de canoa. Sempre próximos, lembra Jayro que “Diadorim é quem guiava Riobaldo no sertão dos fatos, dos feitos e dos ditos, para um desfecho comovente: Deodorina desencantada e estendida na nudez da morte”, ante o desespero daquele personagem fáustico duma “história de amor incomparável, não em termos de narrativa ou propriedade literária, mas pela originalidade do conceito: a paixão entre Riobaldo e Diadorim. Riobaldo relata o encantamento desse amor e a contrariedade de amar um homem, que, no final da narração, descobre que é uma mulher perfeita, formosa e morta”.

João Guimarães Rosa, no intervalo das letras e missões diplomáticas, apreciava o contato pessoal com tropeiros e demais viajantes do imenso Norte. Era descendente de uma família de criadores de gado radicada desde o século XVIII nas imediações das grutas calcárias de Cordisburgo, onde veio a nascer. É famosa uma dessas participações em comitiva de tropeiros pelas veredas de Minas, nos anos 50 do século passado, retratada em ampla reportagem realizada pela revista O Cruzeiro, então editada no Rio de Janeiro. Aí aprendia com os caboclos a discernir o pio das aves, o ruído dos animais, o nome das plantas e dos córregos e rios que cruzavam o território de Minas, Goiás, Bahia e Maranhão, enfim, o grande sertão.

A travessia guiada por esse sertão de palavras é fascinante, na medida que a ousadia ficcional do autor, na corajosa definição de Jayro Schmidt, “colocou Riobaldo, bruto-polido, ao lado dos melhores personagens que se conhece, desde Shakespeare. Os melhores personagens Harold Bloom definiu: são os que pensam bem demais como Hamlet, Darl, entre outros. Guimarães Rosa reverenciava Dante, como qualquer poeta de envergadura. E ‘mestre Guima’ foi mais tinhoso do que ele: Dante divinizou Beatriz na morte e, Riobaldo, Diadorim em vida. Ele só não sabia que ele era ela”.

Lendo ou relendo Grande Sertão: Veredas, a dificuldade será concordar com a exclamação recorrente de Guimarães Rosa: “Nonada”. Não é nada. Ora, pois, pois: o romance de Rosa é tudo!


quinta-feira, 9 de maio de 2013

Fotografando o Silêncio (Exposição no MIS/SC)

Divulgação

Convite para a exposição "Fotografando o Silêncio" no Museu da Imagem e do Som de Santa Catarina - MIS/SC.


quarta-feira, 8 de maio de 2013

Monstrinhas (05)

Por Kelly Kreis Taglieber




Memórias da Menina Gravada - livro de Kelly Kreis


Monstrinhas (04)

Por Kelly Kreis Taglieber




Memórias da Menina Gravada - livro de Kelly Kreis


segunda-feira, 6 de maio de 2013

Poeta Ferreiro

João Cabral de Melo Neto


fotografia de Gill Konell



O ferrageiro de Carmona


Um ferrageiro de Carmona
que me informava de um balcão:
“Aquilo é de ferro fundido,
foi a fôrma que fez, não mão.

Só trabalho em ferro forjado
que é quando se trabalha ferro;
então, corpo a corpo com ele,
domo-o, dobro-o, até onde quero.

O ferro fundido é sem luta,
é só derramá-lo na fôrma.
Não há nele quebra-de-braço
e o cara-a-cara de uma forja.

Existe grande diferença
do ferro forjado ao fundido;
é uma distância tão enorme
que não se pode medir a gritos.

Conhece a Giralda em Sevilha?
Decerto subiu lá em cima.
Reparou nas flores de ferro
dos quatro jarros das esquinas?

Pois aquilo é ferro forjado.
Flores criadas numa outra língua.
Nada têm das flores de fôrma
moldadas pelas das campinas.

Dou-lhe aqui humilde receita
ao senhor que dizem ser poeta:
o ferro não deve fundir-se
nem deve a voz ser diarréia.

Forjar: domar o ferro à força,
não até uma flor já sabida,
mas ao que pode até ser a flor
se flor parece a quem o diga”.



Leandro Serpa. Técnica: fine-art. (Ano: 2011)



quarta-feira, 1 de maio de 2013

O Paisagista do imaginário

Por Jayro Schmidt


A arte é uma determinação do medium-de-reflexão,
provavelmente a mais fecunda que ele recebeu.

Walter Benjamin


O pintor romântico alemão, Caspar David Friedrich (1774-1840), realizou uma das obras mais reflexivas numa época de acentuadas contradições históricas, entre dois mundos paralelos e antagônicos.
Aliás, foi a consciência reflexiva que caracterizou os românticos, impulsionados pela subjetividade que, muitas vezes, chegou a extremos irracionais que a crítica de arte chamou de idealismo mágico, situando-o como meio de reflexão interpretativa, que para Friedrich Schlegel e Novalis tornou-se um verdadeiro culto anímico.
A irracionalidade nas obras, entretanto, tem o significante do imaginário místico e histórico, ou messiânico como pensou Walter Benjamin no opúsculo O conceito de crítica de arte no romantismo alemão.
Essa propensão, que estava vinculada ao Sturm und Drang, Tempestade e Ímpeto, enunciou que a forma era o lugar da reflexão, na qual está a origem transformadora elucidada por Benjamin não como “o pensamnento que engendra o seu objeto” no sentido kantiano da intuição intelectual, porém “pensamento que engendra sua forma” no campo da subjetividade, provedora de uma visão do instante que hospeda o passado como hipótese do futuro. Tal reflexão, como prática do conhecimento perceptivo, é a forma de uma ideia que, no caso da pintura, é a representação imagística como se reconhece nas paisagens de Friedrich.


1

Nos estudos acadêmicos, Friedrich teve a sorte de ter como mestres seguidores do Sturm und Drang, e, em Dresden, cidade que concentrava os românticos, conheceu o pintor Phillip Otto Runge, que o introduziu no círculo romântico que levava a efeito reações intempestivas contra o racionalismo, de tonalidades neoclássicas, que havia influenciado toda uma geração de pintores e escritores alemães. O próprio Friedrich foi arrebatado pelo realismo neoclássico, mas foi o idealismo romântico que acabou levando-o à reflexibilidade pictórica sobre a natureza e a cultura, antecipando em algumas décadas a simbolização na pintura moderna.
Pois é no teor do símbolo que Friedrich conciliou o que a princípio é antípoda nos dispositivos realistas e idealistas. Ambas as percepções não se complementam pela própria natureza de suas manifestações, as imagens realistas previsíveis e as imagens idealistas imprevisíveis, e que teriam melhor caracterização como imanentes nas primeiras, e, nas segundas, como transcendentes.
A uniformidade real das imagens não interessava a Friedrich, porém um conjunto de conexões ideais que ao longo de suas pinturas foi obtendo imagens específicas com variações em torno da natureza e do humano. Esses seriam os seus focos visuais desde que se considere que a imagem surge em função das relações entre o exterior e o interior, o que significa dizer que toda apreensão se dá por síntese e análise da imagem. E se há síntese na pintura de Friedrich é porque ele soube analisar as aparências, transformando-as em aparições.


2

Indo além da superfície das coisas, por assim dizer penetrando-as com determinados propósitos da imagem, Friedrich reatualizou a problemática da representação tal como vinha sendo elaborada desde que o dado perspectivo deixou de ser absoluto, suplantado pela relatividade espacial e temporal proveniente da revolução copernicana. Assim, ao pensar a forma propriamente dita das imagens, Friedrich abalou a tradição do pitoresco e do sublime ao transferir pressupostos estéticos acadêmicos para o âmbito da visibilidade das sensações, isto é, a pintura como percepção nascente de referências subjetivas que pudessem estabilizar realidade e imaginação. Esses possíveis psicofisiológicos estavam sendo motivados pela empatia e pela sinestesia, que diferem entre si em graus e não em natureza. Afinal, os artistas românticos voltaram a confiar nas sensações, fazendo delas o aferente e o eferente na atividade mental que deveria abreviar a distância entre a subjetividade e a objetividade. Desta maneira, e tendo como exemplo abrangente a pintura de Friedrich, a representação visou a configuração de ideias, nas quais particularidades e propriedades da linguagem foram indispensáveis para trazer à vista a força oculta da simbolização.
Não seria um absurdo supor, nesse caso, que Friedrich tenha intuído uma sintaxe visual com as escolhas que fez ao longo de seu estudo da natureza e da cultura. Da natureza Friedrich não descurou o mistério e sua hostilidade, expressando as forças naturais como sendo existências anímicas, dotadas de vontade própria em contraste com a vontade do homem, porém desmobilizada pelo inevitável surgimento da mecanização industrial. Tanta energia armazenada na natureza de nada valeria se não fosse canalizada em termos de progresso. Pois é a essa entropia, dura em aplicações racionais, que Friedrich vai reagir com discernimento e reconhecimento, os avatares da sensibilidade no sentido mais pleno da memória.


3

Todas as percepções remontam às lembranças. Numa observação mais acurada, as lembranças também provocam percepções. Concomitantes, a memória é então um reservatório de experiências sensíveis que geralmente se manifestam com imagens que tendem a se corresponder por analogias, formando focos de atenção porque escolhas são feitas pela vontade de reconhecimento, na qual, pelo menos na elaboração artística, junta-se o discernimento que filtra cada um deles a ponto de predominar raríssimas imagens-lembranças. Pois é esse repertório o testemunho de toda a memória de um indivíduo e de toda uma época e da obra que eventualmente ele realiza.
A eventualidade é mencionada em função do surgir e do elaborar, entre os quais há um impulso imaginário que o artista, como Friedrich, contorna com a plenitude da percepção consciente ao discernir origem de gênese. Não foi por acaso que Friedrich fez algumas escolhas que seu sentimento poético atribuiu a alguns lugares, especificamente a certos detalhes, as passagens naturais de formações rochosas, oferecidas como portais, lugares de concentração de energias apaziguadoras mas também inquietantes que trazem de volta o temor do indeterminado, e, como temor, mobiliza o desafio diante do desconhecido com o maravilhoso símbolo da expectativa.
Nestas pinturas, nas quais há a contemplação de fronteiras, o pintor testemunha o limite entre a natureza e o homem, estetizando-a como paisagem para, em seguida e gradualmente, reverter a representação em apresentação da forma simbólica, que é uma convenção icônica capaz de orientar semioticamente a testemunha, o próprio Friedrich diante da natureza.




De um modo geral a pintura é analógica, mais ainda a romântica, povoada de sensações e percepções relativas a impasses entre a essência e a existência. Sabe-se que o ato perceptivo desperta lembranças, como se no sentir já estivesse o sentido do presente que rememora o que está armazenado na memória. O rememorar em Friedrich, nesse aspecto, tem a atmosfera sombria da natureza nórdica intermediada por seu temperamento taciturno, habitado que foi pela solidão, daí a nostalgia e a melancolia de sua pintura que, pela força da sublimidade, é evocativa, epifânica.
E as sensações, que preparam as percepções, foram encontrando em Friedrich as presenças do existir adequadas e definitivas do ponto de vista da imaginação. Das passagens naturais os portais simbolizados e destes as ruínas que encontrava em suas andanças, e, na plenitude da rememoração, os túmulos abandonados como reverência e homenagem a personalidades que foram destinados ao reflexo de uma mesma visão, a única visão que poderiam ter aqueles homens, o pressentimento da perda da vida mítica e idílica que um dos decanos do romantismo, Goethe, anunciou nas metamorfoses de Fausto.




A Friedrich cabe perfeitamente a sabedoria antiga que diz que se a natureza pudesse falar, se lamentaria. Mesmo assim, ainda há resquícios de reanimação em seus personagens de cultura contemplando a imensidão natural, meditativos no fluxo da aparência, na finitude e na infinitude. Uma religiosidade traduzida pela transferência da coisa vista naquele que vê, porém religação nada ingênua porque Friedrich prenuncia o romantismo de história em “Naufrágio do Esperança” com a hostilidade da natureza, a catástrofe mesma e, por extensão, a pintura catástrofe, convulsiva e convulsionando o analógico no que tem de similitude, em parte abstraindo, com a forma geometrizada, detalhes de superfície para tornar visível o invisível. Quase uma ciografia que antes Friedrich havia exprimido por meio de transparências ou na fusão de matérias macias que vão da meditação ao devaneio e deste ao onírico.




4

Dizer que o analógico em pintura gira em torno da similitude é pouco. No desvio da predominância do narrativo e da descrição com os primeiros pintores modernos, o semelhante foi esbatido pela evidência de qualidades pictóricas que em Friedrich, e outros românticos, prenunciam o relacional da visão que para Goethe é háptica na teoria das cores, e mágica na metafísica do romantismo alemão. A pintura de Friedrich que mais se aproxima de ambos os postulados é, sem dúvida, o singelo monge diante do oceano.
Sem abrir mão da ideia de que a natureza é revelatória, Friedrich dotou a matéria pictórica de sutil sugestão simbólica, pintura então de percepções pensadas, pintura que se pensava nele através da paisagem, o que não é apenas uma coincidência com o florescimento das filosofias da existência, de fundo fenomenológico e ontológico que, numa linha que se pode traçar entre Friedrich e Kierkegaard, nota-se que o sensível, diante do equilíbrio instável entre natureza e história, encontrou repercussão no estético, no ético e no religioso.